sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Uivo cantado I.




É, sou um dos orfãos!

Pela liderança da matilha I.

A meia-noite ele chegou, no horário dos boêmios. A sua silhueta passou por minha porta ainda aberta. Trazia já pelo meio a garrafa de whisky, e um copo sem gelo na outra mão.

Não o encarei, já sabia quem era, e ele sabia usar aquele estranho olhar quando queria. E eu não queria falar com ele, mas nada podia fazer.

Caiu sobre meu sofá com um ar fúnebre.

- Tá na fase pesada novamente? Apontei para a garrafa.
- Nunca sai... Disse ele carregado de embriaguez e do sotaque francês.
- Isso lhe matou! Retruquei, mas sabendo do meu pecado.
- Dizem que o cigarro mata antes! Acendeu um cigarro, que iluminou seu rosto, seus óculos e o olhar reconhecível em qualquer lugar.

A fumaça encheu minha sala, na TV passava algum documentário sobre engenharia, e deixou azul o vaporado. Ele simplesmente começou a falar:

- Fico perguntado o que você não entendeu, e o que aconteceu com todo aquele impeto que você tinha, agora você vive nesta roda viva de ganhar dinheiro para sobreviver. O engajamento pede e merece sacrifício! Tentei retrucar e ele levantou o copo, pedindo para parar.
- Você vai dizer que só tem adversários e não inimigos, eu sei... Eles usam agora da mesma tática de Goebbels, e sorriem enquanto infiltram em sua mente, mas já não seria aí uma inimigo? Não, você nem sabe por onde começar, você parece que ficou cansado, a vida chutou essa sua bunda e você não fez nada com o que lhe deram.
- Mas...
- Não! Você é produto de tudo que escolheu, você sabe disso, e que besteira é esta que o inferno são os outros?! As suas escolhas são suas, e era isso que o bigodudo cobrava, e não que todas as verdades são certas, mas você preferiu se embriagar e reclamar como o Hank! Um labirinto de canos...
- Nem tocar um instrumento você aprendeu! Tomou o resto do whisky do copo.
- Depois dos Beatles e os clássicos, fiquei sem graça! Pausa eterna.
- Ahh, você ficou muito bom em dá desculpas! Isso sim! Nunca tentou escrever?
- Não... Tentei, mas erro em lógica e gramática.
- Você não lia Shakespeare, Tolstoi, Fiodor, Dante, Thoreau, Kant?! Germinal! Droga, você leu Germinal. Você leu Steinbeck!! O que ficou?! Outra eternidade de pausa.

Levantou-se, e parado, olhando para mim, praguejou:

- Não foi para homens como você que eu escrevi.

Hoje realmente eu não queria falar com ele. Tentei tomar a garrafa enquanto ele sai, não tinha nada para beber na geladeira nem na estante. Nem um bar aberto nesta segunda maldita.

- Hoje você não vai ter nenhum alento! Disse ele.

E saiu, como chegou. Deixou-me nocauteado, sua esquiva e o direto no fígado estão perfeitos.
O que falar para um homem em que dizem que escreveu um livro baseado num copo de cerveja.